Sabe aqueles dias em que você acorda reclamando não ter nada para fazer? Pois é, esta era uma fala das crianças quando entravam em férias ou viviam feriados e finais de semana sem sair de casa, que foi incorporada ao mundo dos adultos e dos adolescentes (quando eles querem uma desculpa consentida para ir à rua). Não é fácil conviver com o tédio, aquela sensação de enfado, aborrecimento, cansaço, vazio, em que o tempo parece acontecer lento demais e nada acontece para quebrar aquela monotonia que, se misturada com preguiça, faz o dia parecer insuportável.
A verdade é que estamos ficando cada vez mais impacientes e intolerantes, não conseguimos mais ficar parados, pensando e refletindo. Por certo muitas pessoas só funcionam bem se estiverem com um smartphone, tablete ou notebook na mão e, embora isso não seja suficiente sempre, algumas pessoas “surtam” se não têm acesso às redes sociais. E o pior, é que isto está sendo passado para as crianças – não se viaja mais sem fazer download de filmes, baixar jogos; as crianças não almoçam mais conversando com os pais e cuidadores e sim assistindo a desenhos e filminhos…
Nós, adultos, criamos mil artifícios para lidar com o tédio dos nossos filhos, e muitas vezes utilizamos os recursos tecnológicos acreditando que estamos fazendo algo de bom, afinal de contas eles gostam e ficam quietos vendo filminhos e desenhos (e nem sempre é só isso que eles veem). Se pararmos para refletir, a lei do menor esforço tem funcionado quando se chega num restaurante, na casa de uma amiga e até quando se vai levar ou buscar os filhos na escola, e se atende de pronto o pedido da cria pedindo o celular. E assim, os pais podem dirigir tranquilos!
A ânsia por estímulos externos está se tornando cada vez mais presente e constante. Adultos e crianças estão se privando e sendo privados de pensar, de refletir, de ficar em silêncio, sem fazer nada; ficar quieto pensando está virando tortura e provocando muita ansiedade nas pessoas, independente de idade. Estamos perdendo a nossa capacidade de perceber o mundo a nossa volta, de refletir sobre as coisas da vida e de analisar criticamente nossa realidade objetiva – as informações nos chegam de forma acelerada, lemos rapidamente, e depois parece que as coisas caem no esquecimento, afinal de contas, informação sem reflexão se apaga.
É preciso lembrar que nos conectar com o nosso mundo interior é absurdamente necessário, pois o caminho da paz interior, da alegria e do sucesso precisa passar pelo autoconhecimento. Contemplação, conversas interiores e pensamento livre nos permitem sonhar e crescer – “o pensamento parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar” (Caetano) e assim podemos investir energia para transformar e criar nossa realidade – “pra poesia que a gente não vive, transformar o tédio em melodia” (Cazuza).
Há algum tempo, atendi uma criança de 7 anos que tinha pais muito estressados e que, por qualquer motivo, a deixavam de castigo, numa cadeira virada para a parede, por uma hora e sem nada nas mãos. Numa de nossas sessões eu lhe perguntei se ela podia aproveitar aquele tempo de alguma forma e ela me respondeu, “sim, pensando”. Então, a partir daí, quando ela ía para o castigo, ela fechava os olhos e repassava o filme do “Rei Leão” em sua cabecinha ou ficava imaginando como seria bom brincar no recreio com os coleguinhas da escola. Acabou o castigo, ficou o aprendizado!
Precisamos resgatar o nosso poder de pensar, refletir e lembrar!