“Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, assim Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) começa o seu maravilhoso “Poema em linha reta” e eu, pego carona nos versos do poeta para falar de um assunto que atinge a nós todos, e a cada dia se faz mais presente nas diversas culturas do mundo, que é a facilidade com que as pessoas julgam e condenam a conduta dos outros; e muitas vezes, nem sequer têm informações necessárias e suficientes acerca de algo que aconteceu, mas, de forma irresponsável, emitem a sua opinião e até a divulgam.
Então, errar faz parte da nossa condição humana. Todos nós cometemos erros! Erramos por estresse, por falta de atenção, falta de informação, por impulsividade, desorganização, vício, raiva, desamor, por querer proteger os outros, por não sabermos lidar com as nossas dificuldades, por paixão, falta de interesse, voracidade, descuido, arrogância, insegurança, escolha…, o fato é que nós erramos repetidamente e, apesar de conscientemente reconhecermos que falhas acontecem, nossos erros nem sempre são reconhecidos, ao passo que o dos outros facilmente são percebidos, admitidos e nomeados.
Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, onde além de prestígio e poder também disputamos verdades, e já virou até brincadeira algumas pessoas perguntarem, eu estou certo ou estou com a razão? A verdade é que nós gostamos de estar certos e, até aí nada de mais, o problema passa a ser quando você incorpora ao seu repertório a certeza de que você está sempre certo, errados são os outros. Perfeição não é característica da humanidade, e continuando na carona do poema, “Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?”
Os erros nos humanizam e nos movem e, graças a eles podemos rever condutas, redefinir conceitos e valores, modificar caminhos e aprender muito sobre nós mesmos e o nosso funcionamento. Mas, quantas pessoas estão verdadeiramente dispostas a reconhecer seus erros, aprender com eles e rever suas condutas? Quantas pessoas vão deixar de torcer, ou contribuir, a fim de que o outro se dê mal para poder se sentir superior? Quantos vão abrir mão de falar “eu te avisei e você não quis me escutar” caso tenham se manifestado antes ou ponderado sobre algo que não foi aceito por alguém?
Assusta-me essa cultura da intolerância e do ódio que se faz cada vez mais presente na vida, e que encontrou nas redes sociais um meio devastador e imediato de atingir pessoas que pensem diferente – não basta discordar, tem que julgar e condenar. Eu reconheço e defendo o direito conquistado por nós, enquanto sociedade civil organizada, de manifestarmos e defendermos nossas ideias, mas, convenhamos, têm muitos posts que ultrapassam o limite do respeito e, de forma irresponsável e preconceituosa (às vezes torpe e vil) atingem pessoas de forma virulenta.
Nem tudo na vida é produto de escolhas! Não escolhemos nossa cor de pele, orientação sexual, várias características físicas, local de nascimento, dons, habilidades…, mas podemos escolher muitas coisas como, quais serão nossas condutas, quem vamos validar como amigos, que ideias defenderemos, que viveremos de forma ética, que respeitaremos às diferenças, que vamos nos preocupar mais com a nossa vida e menos com a dos outros e qual será a nossa contribuição para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.